sábado, 26 de outubro de 2013




Abri a janela!
O sol entremeava por entre a longínqua folhagem das árvores centenárias de tantos nasceres.
Enchi eufórico o meu peito, com o ar pingado de fresca geada que alfinetou os meus pulmões com agulhadas de ar frio,
O sono fora deitado relaxado em alcovas de nuvens fofas e o sonho fora dourado com tenras imagens que sorriram na minha face e o acordar fora alvorada cheia de cores de esperanças e sentimentos.

A névoa crescia envolvente no lado oposto onde o sol nascia. Era poente nessa outra terra onde gigantescas montanhas vestidas de branco se abriam em vales profundos onde casas estavam plantadas como malmequeres por aqui e por ali.  O rio de prata descia barulhento a penedia abrindo caminho tumultuoso e decidido cruzando ziguezagueante esse vale de verdura para lá de tudo....

Ali vivia eu ,tu e muitos mais.

A vida simples levava-me à escola de teto de colmo sem paredes nem vidraças e de bancos toscos feitos de árvores cortadas, ao ribeiro onde mergulhava os pensamentos sentado na pedra desgastada coberta de liquens. Muitas vezes o livro contava-.me histórias de terras imaginadas pela falta de gravuras e como cego tacteava na minha mente os contornos de vidas tão irreais, com cheiros inodoros e ruídos de silêncios.
Tu vivias ali ao meu lado enfiada na saiota feita de folhas largas com lianas entrançadas, Outros viviam por ali, indo e vindo em labores tantos e a carne assava na noite salpicada por faúlhas rubras que se apagavam como almas já vividas. histórias eram contadas e cantadas pela voz roufenha e pastosa  do mais "Velho". Do seu cachimbo saiam fumos azulados que escreviam no ar quente figuras que eu imaginava. A criança que era eu estava sentada a seus pés absorta e bebia todas aquelas memória como se fossem minhas, para que nunca se perdessem no inferno da vida. O sol julgara eu, vivia apenas ali, para mim e para ti e muitos mais....

O livro cujas letras tremelicavam com a luz da vela acesa diziam que para lá onde o sol caia, havia outra vida e muito mais....pessoas que viviam umas em cima das outras, que corriam para um trabalho sem lanças nem arcos, para trazerem comida para dar aos seus filhos - como podia isto ser? - onde incendiavam as fogueiras para assarem as carnes e os peixes? Onde mergulhavam se não tinham rios? Onde colhiam os frutos  se não tinham árvores?....

Quantas vezes passara o sol desde os montes brancos até onde o rio desaparecia na imensidão impenetrável da vegetação....
Ali vivia eu, tu e muitos mais, mesmo os que já não eram, mas viviam nas lendas e histórias contadas e cantadas à volta de fogueiras....
Tudo se tinha transformado até os corpos tinham crescido até ficarem diferentes.
Ali vivíamos nós e  poucos mais até o mundo abalar e se abrir numa estrada diferente, e agora onde o sol caía nascera uma nova vida no outro lado onde o sol nascia.

Ali vivemos nós e muitos mais, uns em cima dos outros, correndo apressados sem lanças nem arcos para trazermos comida para os nossos filhos. Já não haviam fogueiras nem lendas contadas nem cantadas, apenas a vida passada correndo e o por do sol caia não na verdura impenetrável, mas em cimentos amontoados, montanhas como colmeias de abelhas, como formigueiros de lavor onde todos trabalhavam de manhã ao por do sol. Montanhas não de terra e verdura  mas de betões erguidos aos céus como desafiando Deus.Os fumos não eram azulados antes negros de alcatrões derretidos, e intoxicados....

Quantos Sóis  e sóis passaram sem mitigar a saudade que ficara?

Aqui vivemos nós, os filhos e muitos mais....

Percorremos o dia de lanças e arcos caçando!
À noite, ao redor do fogo contamos lendas e cantamos alegrias. O cachimbo que eu chupo evola fumos azulados e as memórias pairam nas mentes para nunca serem esquecidas.
Aos meus pés a criança sonha com seus olhitos negros e vivos desenhando e criando no seu mundo novas formas de vida e de manhã quando o sol nasceu abri a minha janela....

O sol entremeava por entre a longínqua folhagem das árvores centenárias de tantos nasceres.
Enchi eufórico o meu peito, com o ar pingado de fresca geada que alfinetou os meus pulmões com agulhadas de ar frio,
O sono fora deitado relaxado em alcovas de nuvens azuladas e fofas e o sonho fora dourado com ternas imagens que sorriram na minha face e o acordar fora alvorada cheia de cores de esperanças e sentimentos.






Jorge d'Alte

sexta-feira, 11 de outubro de 2013







A minha mente parecia uma galinha a espolinhar-se na terra húmida tentando bicar pedaços de saudade, bocados de um "eu" que deixara algures nas planícies férteis onde tu existias.....

............................Passos mordiam o chão de terra arenosa, levantando pequenos grãos de poeira como nuvens no meio da modorra. O olhar acerado não prenunciava nada de bom e os lábios cerrados continham lá dentro tanto para gritar e a fúria vencia obstáculos atrás de obstáculos, levando o corpo frágil e franzino de Maria.






Tudo começara algumas horas atrás no meio da nuvem que não era, feita de fumo cinzento e oloroso, como a alma minha que se entristecia perante a indiferença...
O corpo movia-se em bocados discernidos por entre a fumaça e corpos anónimos de nomes que desconhecia, mas os meus olhos perdidos sonhavam esse corpo de pele dourada e cabelos de cobre, caindo e baloiçando sobre ombros que eu beijava em sonho.
Tudo fora lindo como história escrita, escondida nas capas da minha mente, mas transbordara pelos meus lábios numa frase interrogativa " a menina dança com o eu, que eu danço com o tu?"




O rosto surpreso abriu-se como flor de madrugadas e o sorriso cresceu fazendo agigantar-se esse nó na garganta, esse comichar na barriga, esse bambolear de pernas moles, mas as suas mãos como suaves gavinhas agarraram-se ao meu corpo aprisionando-o no ritmo, como seara dourada dançando na brisa soprada.
Dois olhos negros que amei, tão profundos como infernos de perdição, pegaram nos meus azuis como céus abertos de eterno sol e dançaram em palavras murmuradas aos ouvidos e seladas no beijo súbito que aconteceu.....
E pronto!
Foi como bofetada!
A fumaça desapareceu de repente quando a porta bateu nas nossas costas e os passos cresceram, mordendo o chão de terra arenosa, levantando pequenos grãos de poeira como nuvens no meio da modorra. O olhar acerado não prenunciava nada de bom e os lábios cerrados continham lá dentro tanto para gritar e a fúria vencia obstáculos atrás de obstáculos levando o corpo frágil e franzino de Maria.
O meu coração batia atrasado, tentando conquistar os segundos perdidos num alcance impotente, enquanto a mente chorava por dento e o lamento questionava " que se passara ali".
Por fim os passos abrandaram, ficaram lentos e pararam e a fúria secou e como visão fantasmagórica o corpo se virou para mim sacudindo para fora " porque fizestes aquilo?"
A minha cara deve ter-se derretido toda no esgar de incompreensão primeiro e de compreensão depois
" o beijo!"
Nunca pensara que um beijo provocasse vendavais tamanhos como relâmpagos na tormenta que vislumbrava faiscando nesses olhos negros que tanto amara.
"Sabes nunca fui beijada dessa maneira e senti-me sugada para um abismo e de repente fui lava num vulcão desconhecido que me encheu de um sentimento tão forte que explodiu cá dentro da minha cabeça. Assustei-me e fugi, mas agora quero isso tudo só para mim, até á eternidade".
E a eternidade cresceu em rostos enrugados de peles manchadas, mas todos os dias o beijo acontece mesmo quando não estás, e cresce de novo como nova alvorada.....


jorge  d'alte

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

RECORDAÇÃO










As recordações vieram, tropeçaram num ramo de neurónio e ficaram ali levedando azedas e brilhantes.......





......Vieram do outro lado como ratos petiscando queijo duro em pão de côdea.. Sentaram-se em volta de um fogo que estarlejava faúlhas aguçadas que ardiam em ápices e chamas que se atiçavam rubras de prenhe fúria, em caixotes de madeira escurecida de cheiros nauseabundos, misto de gorduras e outros tantos e as vozes roucas e roufenhas , esganiçadas e ansiosas trespassaram para ouvidos que escutavam novas de outras partes deste mundo que já fora aquilo, a que chamavam paraíso.
Disseram que o céu era preto e as estrelas brilhantes outrora douradas não passavam de meros pontos azulados esbatidos nas sombras negras como morte sem luz. A lua vogava nessa imensidão sem ondas nem brisas e a sua cor leitosa de manto luarento, era agora mancha prateada como salva oca cheia de nada.




.....Vieram do outro lado brisas estranhas que ora murmuravam em surdina em ouvidos moucos, ora gritavam a sua raiva por um sol enegrecido sem madrugada, por mares e montes sem por- de- sol e o ar como aço gelado cortava as falas com vapores falados como falsos fumos onde se perdera o fogo.
.....Vieram do outro lado passinhos sem som, que barulhavam na terra esboroada de parca água,.Chegaram-se ás vozes algo agitadas com olhos sem brilho nem sorrisos gaiatos.Deixaram-se ficar por ali mudos e quedos como sombras de pedrenia que nasciam plantadas por ali ao Deus dará.
.....O sufoco estrangulou o ar que arquejou num soluço parco de som, mais um gemido de ratinho perdido na cor do medo sentido.....que mundo era este onde fora parar?
.....O ar rarefeito esgaçava o peito com  a dor do respirar e o abismo estava ali na ponta dos pés, indefinível e cativante, atraente e suplicante. Afinal seria como um voo de pedra, rápido e estrondoso com batidas de permeio, talvez em arestas aguçadas como esquinas dobradas de ruas perdidas, que um dia trilhara e em cada uma gritara dores consentidas e sentidas, de erros  cometidos como criança que dá os primeiros passos, se esfola e chora. mas se torna  a levantar já a sorrir.
.....Vieram em pequenos fogachos como tochas tremelicando, esticando nervos e transmitindo ordens autoritárias que deviam ser cumpridas.....
.....Vieram quando os olhos se abriram por fim de palpebras quebradas e as recordações se foram e a realidade se focou . O pesadelo estava ali num lado que não fora o meu, ainda semi quente e semi frio, com cheiros e odores de perfumes tontos que se cruzavam em mistos de suores e perfumes variados. Fora um dia um lado quente que dera vida e cor; fora sol nascente de risonhas madrugadas, poente que trouxera as noites de encanto onde vultos se embrulhavam como marionetas de sombras, fora lua alva mergulhada em lençóis de linho, fora luxuria quente e sedenta, fora fogo que matara sedes que construíra paraísos  onde voara livremente de sorriso empunhado.....




Jorge d'alte

(Fotos tiradas do google)