quinta-feira, 9 de agosto de 2012






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                   O vento uivava, trespassando o vendaval que caia, rasgando a noite inglória com a luz  zigzagueante dos raios. A pequena cabana de madeira roída estremecia desolada e desfigurada a cada investida. Lá dentro apanhados na surpresa dois jovens temiam pela vida e o medo possesso tomava conta das suas almas, sobretudo da da rapariga. As janelas tinham sido arrancadas e levadas sabe-se lá para onde, e a corrente de ar cada vez mais gelada,  enovelava-se nos corpos parcamente vestidos. Era verão e ninguém previa um tempo destes, só faltava nevar...por falar nisso pequenos farrapos brancos começaram a esvoaçar atiçados pela ventania. Um deles entrou pela janela e colou-se ao peito da rapariga. Foi como se lhe tivessem enterrado uma faca, tal foi a dor desse gelo num corpo já de si fragilizado pelo enregelamento. O rapaz sufocou um grito ao ver a cara torcida pelo esgar da dor e não hesitou mais, estendeu a sua mão suada pelo medo puxando suavemente  a rapariga, encostando-a a si e embrulhando-a com a sua ternura. Murmurou algo ao ouvido da rapariga que foi abafado pelo trágico som do trovão que pareceu arrancar definitivamente a cabana e o restolhar que se seguiu indicou-lhe que parte dela se fora. Ajoelhou-se no solo molhado levando com ele a rapariga que como zombie lhe obedecia deitando-se juntos no canto mais afastado. Quanto tempo estiveram assim? Um segundo, um minuto, uma hora? Fora uma eternidade segundo lhe parecera. Colou os seus lábios arroxeados aos dela, tentando insuflar-lhe vida nesse sangue coagulante pelo medo, pelo frio, pelo desânimo. Sentiu uma mão nas suas costas e outra que lhe passou por detrás do pescoço. Sentiu a vida recomeçar a pulsar e o calor a subir como quente e sufocante tempestade de areia a evolar no ar rarefeito do deserto. O tempo correu para a frente deixando em cada segundo passado um rasto de pequenas oferendas que encheu o tempo, trouxe o esquecimento, voou na loucura, trespassou a alma com girândolas de sentimentos e de repente estavam no céu, não no céu plúmbeo que antecedera, mas no céu dourado e orgasmico do amor.
              Tinham chegado nessa tarde de sol dourado à cabana onde desde sempre se encontravam para dar largas ao seu amor. Perto as  árvores verdes regavam o chão com pingas de sombra acolhedora que enfeitavam o solo esverdeado onde se deitavam. Aqui e ali  as margaridas e as papoilas polvilhavam as suas cores pela verdura. Todavia apesar de todo este esforço da natureza para os  acolher nos seus semblantes a tempestade adivinhava-se no diálogo azedo que entretanto travavam. Tantos anos juntos, desde a sua meninice acabavam apunhalados pela dureza das palavras e da incompreensão. Tão absortos estavam na sua disputa discutida da justeza da razão, que nem tinham dado conta de que também o tempo se preparava para os desfeitear. No céu enegrecido aos poucos em passos matreiros, as nuvens voavam céleres e o primeiro pingo trouxe aos rostos um sinal de alerta. De norte caminhava uma onda de vento ululante, que os apanhou de boca aberta atirando-os pelo ar. Esparramados no solo alagado nem sabiam o que lhes acontecera...O rapaz estendeu a mão molhada e puxou por ela cuja roupa já ensopada se colava ao corpo delgado, esculpindo a sua graciosidade. Correram para o abrigo que oferecia a velha e carcomida cabana...
               O silencio rompera  o ruído tenebroso da tempestade que agora corria longe no seu caminho de destruição. Os corações não quiseram saber, amavam-se de novo no solo duro e encharcado do que restava da cabana. Por fim olharam-se inquietos incomodados pela vigília do silencio. Sentaram-se no chão de mãos dadas estremecendo, não do frio que se ia, mas do amor que voltara e os enchia. Os olhos davam a boa noticia e a natureza regurgitava de vida. As almas tinham-se reencontrado de novo quando sentiram o perigo. Não faziam sentido separadas e mais uma encruzilhada tinha sido vencida e a rota outrora traçada brilhava algures por ali perto. Um passo fora dado para lá desse horizonte marcado pela turbulência da discussão e o próximo avizinhava-se.... era talvez o futuro!


jorge d'alte
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