sábado, 21 de dezembro de 2013

O NATAL DE JOEL






Joel nascera num soalheiro e quente dia de Junho havia já 5 anos.

As aulas da pré primária tinham encolhido até ao tão desejado dia em que começariam as  suas férias mais apetecidas- As férias do Natal.



A árvore colhida ao nascer do sol, no pinhal da colina que fazia parte da  quinta onde Joel vivia, jazia ali  no soalho encerado da sala, inerte com os seus ramos entrelaçados como num ultimo abraço, ali mesmo  junto à lareira de canto. Os olhos de Joel entristeceram, pois agora não havia brisa para dar vida ao pinheiro. Este já não acenava no seu vai vem nem rugiria de fúria nos dias invernosos que chegavam.
Sentou-se no chão de pernas cruzadas olhando sorumbático a vida que deambulava à sua volta. O pai fora buscar um grande vaso de barro  e preparava-o para receber o pinheiro, colocando pedras no seu interior. A sua mãe trouxera duas grandes caixas  de cartão e abria-as resmungando como sempre o fazia quando as coisas não corriam de feição.
Joel via o pinheiro a crescer enquanto o pai o erguia ao ar arfando com o esforço e com um suspiro o colocava dentro do vaso.Pegou em mais pedras e colocou-as em redor do tronco até este ficar sereno e erecto.
Agora viria  aparte que mais adorava. A colocação das luzes e as coloridas bolas e por fim bem lá  no alto a estrela dourada....
Mas lá no fundo da sua mente, germinava uma ideia que desde há muito o apoquentava. Este ano iria apanhar o Pai Natal quando este viesse depositar em redor da sua árvore as tão gostosas prendinhas que todos os anos recebia....hummm será que este ano o Pai Natal me vai trazer um computador?- Pensou!

Lá no Infantário todos falavam da Internet... ele julgara a principio que devia ser uma doença, alguém muito importante ou algum monstro  pois todos falavam dela....uns tinham-na em casa segundo confessavam....então resolveu perguntar ao Pedro que era o seu melhor amigo se esta era algum animal de estimação  para ele também andar com ela de um lado para o outro. Pedro dissera-lhe  muitas vezes que estava na Internet na sala e no quarto e muitas vezes até na cama e uma ou duas  vezes na casa de banho. Mas Pedro era rico e excêntrico e fazia coisas que mais ninguém fazia. Joel só via um caso idêntico na sua vida....a sua cadelita Elvira! Ela também estava por todo o lado e até refastelada na sua cama, mas na casa de banho nunca entrava...porque seria?. Mas para sua surpresa o Pedro ficou com uma cara grande e parada....depois com uma boca redonda fez OHhhhhhh! Riu-se até sufocar....depois ainda com lágrimas nos olhos mas já com um ar sério disse -estavas a brincar  não estavas? As lágrimas tinham assomado por sua vez aos olhos de Joel que balbuciou apenas um simples não!.... Pedro sentara-se a seu lado com um ar grave e sisudo e então explicara-lhe o que era e como se devia utilizar.Nesse dia ficara a saber novas palavras que nada lhe diziam....engraçado!  Joel deixara escapar um sorriso enquanto a sua mente deambulava  lembrando-se perfeitamente,,,Down-loads, partilhar, likes, rato...hehehe julgara que era um rato a sério... teclado, open, blogs, google, hi5, facebook, twitter e-mail.....
Entretanto um movimento captou a sua atenção tirando-o dos seus pensamentos absorventes. O pai subia uma escada de metal e começara a colocar as luzes.....
E estas caíram enroladas no pinheiro e logo de seguida tiveram a companhia das bolas coloridas dependuradas nos mimosos e tenros raminhos. Viu o seu pai esticar-se todo colocando bem lá no topo a velha estrela dourada......


Seguiu-se o esguicho assobiante da neve artificial que caía para dar um ar mais autentico ....Depois foi só ligar as luzes à corrente eléctrica  para estas rapidamente começarem a luzir e a piscar. A Árvore de Natal ganhara vida!


Agora era a vez da sua mãe fazer o presépio colocando um estábulo de madeira  onde colocou o Menino Jesus na manjedoura, Nossa Senhora e S. José ao seu lado. O burrito e o gordo boi ficaram do outro lado aninhados oferecendo o seu bafo para aquecer o Menino. Um pouco mais longe os três Reis Magos  cavalgavam empoleirados nos seus camelos cor de mel. Por todo o lado Pastores e ovelhas e algumas personagens cantando louvores aquele que nascera para salvar o mundo. Fora assim que a Professora da Catequese lhes contara a história do nascimento de Jesus......
A noite caíra gelada na véspera do nascimento de Jesus. Joel na sua cama quentinha, agarrado à sua pequena botija em forma do Rato Mikey, esperava paciente que os seus Pais se fossem deitar...... Esta era a noite em que o Pai Natal viria depositar os seus presentes ao pé da árvore e ele que não era valente queria desta vez enfrentar o Pai Natal e agradecer-lhe por tudo o que este lhe tinha dado até então.
O calor da alcova invadira o pequeno corpo enrolado na caminha....

O Pai Natal descia pela morna chaminé da lareira apagada mas ainda com laivos de fumarolas....por detrás do sofá da sala, Joel arregalava os olhos de espanto e a sua boca fazia um enorme OH abafado.....Que grande saco tem o Pai Natal - pensou!
O Pai Natal dera um passo na direcção da árvore quando escutara o Oh abafado de Joel. Olhou com um ar doce e com uma voz que não se ouvia  chamou por Joel...
.Este contrafeito, com as perninhas tremelicantes e desconfortáveis, remexeu-se para se levantar. No solo o imenso saco estava aberto cheio de coloridos embrulhinhos contendo as tão ansiosas prendas.....




Joel! - Disse o Pai Natal.entregando-lhe um presente e outro, dizendo! - Este para a avó Maria, este para o avô Manuel....este para......
O rosto de Joel, antes ansioso e exultante começara a ficar mais inquieto, sério e soturno. Todos têm prendas menos eu -Pensou.
Por fim o saco estava já quase vazio....poucas prendas havia lá dentro e ainda faltavam as de sua irmã Rita e da sua cadela Elvira. As lágrimas queriam soltarem-se do seus olhos  mas não saiam porque estes estavam fechados......
OH não! -  gritou aflito.
Sentou-se na sua cama estremunhado....adormecera como um bebé enquanto o Pai Natal falava com ele ao mesmo tempo que lhe entregava as prendinhas para todos.....Oh   menos para ele....
Que fora que o Pai Natal lhe dissera entretanto?
Puxou pela memória enquanto enfiava o roupão e as suas pantufas de pelo quente.
Ah sim! Já se lembrava perfeitamente!
Olha Joel!  Sim fora assim que este começara por falar com ele....Há sonhos na nossa vida que serão sempre sonhos de magia. São sonhos que nos fazem grandes e pequenos, são sonhos que nos unem na vida e nos enchem de Amor por todos aqueles que amamos....fostes pensando enquanto te entregava as prendas em todos aquele que amas de verdade e fazem parte da tua vida, mas só te lembraste de ti, quando já todos tinham a sua prenda e o saco estava quase vazio.... acorda e vai até à Árvore.....
- Sim fora isto que o acordara - Pensou, enquanto se dirigia à sua sala e entrava de olhar aberto e sorridente. Fora bom dar todos aqueles presentes a cada um....à sua avó um xaile bem quentinho para ela se poder aquecer junto da lareira, ao seu avô uma bengala lustrosa com um cabo dourado  para ele poder ir buscá lo todos os dias à sua escola... ao seu pai uns sapatos novos, à sua mãe um colar de pedras azuis que vira um dia no shopping, à sua irritante irmã que tinha a mania que era rapaz,  uns patins de linha que ela tanto queria, à sua cadelinha uma bola de trapos e um osso gigante.....
Viu cada prenda no seu respectivo lugar....OH - Exclamou com surpresa. No seu lugar havia também uma reluzente e grande prenda.
O seu sorriso era enorme como a porta de uma garagem. - Que seria? -Pensou
Sentou-se no chão com o coração a bater bong-bong--bong-- Bomg---
As suas mãozinhas dextras começaram a rasgar entusiasmadas a sua prenda ao mesmo tempo que a sua mente  gritava- Que será?  que será?...
Nas suas mãos um vistoso computador azul faiscava ao sabor das luzes da árvore de Natal.





Lançou o seu olhar para a lareira e pelo canto do olho pareceu-lhe ver uma sombra fugidia e escutar um som que muitas vezes ouvira em filmes....
Oh-oh-ohhhhhhh!
Com um ponto brilhante no canto do olho e uma imensa alegria no seu coração disse - obrigado Pai Natal!
Depois possuído de uma estranha energia  correu para o seu quarto, pegou no seu telemóvel e ligou.....
Tocou e tocou a sua cantiga de chamada.....Porra atende! - gritou-
Estáaaaa! - escutou do outro lado. - És tu Joel? - Que te deu para me ligares a esta hora? São seis horas da manhã....
Não faz mal! - gritou exultante Joel.- Nem sabes o que o Pai Natal me trouxe..... Um computador novinho....azul como o teu.....sim! - Isso mesmo! - Só que tens que me ensinar a montar e a utilizá-lo.- Vens logo de manhãzinha quando os teus Pais deixarem? - Perfeito! espero por ti.....Já vistes o que recebeste do Pai Natal?  O quê? - recebestes uma nova bicicleta de montanha?.....pois podemos então dar umas voltas juntos  com a tua irmã Sofia e a Rita.........pois todos já temos bicicletas.....Sim eu sei que pedistes para poderes andar comigo..........
-Vem!

Jorge d'Alte



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domingo, 15 de dezembro de 2013

MADIBA









A cela confinava  o corpo no abraço curto das paredes sujas pelas garras do tempo sem fim....
Sem fim eram também as correntes de dias e anos que por ali passavam num mundo sem horizonte nem céus, nem brisas nem cheiros das flores silvestres, ou dos dejetos dos bairros pobres e míseros das cidades.
Os passeios outrora dados nos campos abertos em tons de liberdade  ou nas ruas citadinas, eram agora três para um lado e quatro para o outro, repetidos  vezes conta, do segundo ao minuto,  do  minuto à hora , da hora ao dia. Pelo meio ficavam os livros devorados pela fome do saber, os momentos de reflexão que traziam o saber e o saciar da alma e os parcos fechar dos olhos onde a mente vagueava idealizando no sonho os traços seguros da realidade de um Dia  o tal que gritaria Liberdade.

Os gritos e gargalhadas de criança dera lugar à Voz que não se calava  que exigia e se levantava numa mole Negra que de braço erguido enfrentava o fuzile que matava sem dó nem piedade, escrevendo com sangue nas paredes nomes e nomes de valentes que ficaram na história como heróis e gritando mesmo para lá do tudo a palavra temida " Liberdade".....
Por isso ali ficou, ano após ano até serem contados vinte e sete....






Como é fácil contar até vinte e sete, diriam as crianças que como ele lutaram a punho para serem alguém um dia....sua Voz foi o canto do pássaro que despertou todo um povo, Brancos e Negros, que cantou uma história que não podia ser cantada e o medo Branco  lívido como a morte aguilhoou essa Voz tornando-a como sua, muda e cativa e a cela foi dele por uma eternidade....Mas o seu carisma trespassava essas duras e grossas paredes e nos campos en as cidades a palavra Maldita   para uns era o sonho de muitos mais....Liberdade   gritavam as vozes cada vez mais roucas mas cada vez  mais próximas.....

E o Dia chegou, em que a Voz da Razão se suplantou em inúmeras vozes dispersas por todo o Mundo, mas poderosas apertaram o governo Apartheid estrangulando-o a cada dia que passara e a porta se abriu  e o céu regressou aos olhos e a brisa ao coração, e quando todos esperavam que essa brisa se tornasse furacão de raivas e fúrias incontidas, de vinganças ruminadas e merecidas,  a Voz ordenou que as cores eram só uma, que o Perdão seria a arma da Vitoria e a Liberdade o elo de União e que estas duas unidas  juntamente com o Negro e o Branco fariam um único Povo um novo País sob a bandeira do Arco Íris....

Tantos anos passados e a sua lição de vida foi apreendida nas cidades, correu as savanas e as florestas e voou como pássaro da esperança por todo o nosso mundo....

Olhos vergaram-se hoje na  dor de  todo um Povo de todo um Mundo onde a Voz era venerada como Luz da Sabedoria, do Amor e da Liberdade, aquele que escrevera mais uma das mais belas páginas da história universal.

Nas ruas o Povo chora dançando nos seu cânticos alegres, aquele a que Negros e Brancos unidos chamaram apenas de Madiba o Pai.

Jorge d'Alte






sábado, 7 de dezembro de 2013





Disseste que me amavas e partistes para sempre ao alvorecer do dia que já não viveste....





Todos os dias luto por ti minha Dulcineia inventada, como cavaleiro quixotediano solitário contra monstros e moinhos de fantasia onde a minha mente forja uma vida que não tivemos.....
Por ti  ergo a minha voz contra Demónios, Deus e Deuses sem misericórdia, que fabricam mortes em cada dia  ao sabor de uma vontade geriatrica, destruidora e diabólica.

De um qualquer ponto do céu, uma voz perfurou o denso nevoeiro que me cegava....a madrugada crescera lenta, tenra e cinzenta e apegavasse-me à pele como sarna  comichenta que não despegava.
A voz soara nas trevas soltas, como farol acolhedor e a branda luz tolheu-me por dentro, porque fora a tua voz que me emudecera e tornara estes olhos cansados e rugosos, humedecidos....
Tanto tempo levo eu nesta cruzada solitária deixando um rasto de bocados de mim, por ali e por acolá deixados assim à toa no esquartejamento diário da alma, que me movo como marioneta ao sabor do destino.... o perigo devia ser grande para Tu me avisares, minha deusa de véus ténues  como ténue foi a tua vida nesta terra mortificada por desventuras e arautos de infortúnios.
Os sentidos despertos, martelavam ao compasso do bater ritmado do coração.....O medo não vivia em mim, pois já tudo perdera nesta vida e o muito que a dor ferrara couraçou-me a alma....por isso aguardei!

A Besta movia-se pegado nas sombras tremelicantes de negrumes,  esticando como borracha as suas garras gélidas e afiadas....Tacteava-me por dentro, talvez tentando encontrar um ponto fraco em que se pudesse agarrar.... no meu rosto bailava um sorriso matreiro que aguardava por fim o tão almejado desfecho  que me levaria por um radiante e luminoso túnel até Ti  meu amor....Tinha ouvido falar tantas vezes em vozes baixas no restolhar quente da lenha brazida, quando a idade ainda era jovem, as matronas engelhadas de coração quente e pés gelados, que quando se partia deste mundo,  esse tal túnel de luz se abria  acolhendo-nos e levando-nos até ao paraíso ou inferno.....vozes amedrontadas por deixarem o mundo que conhecem, e enfrentarem um outro desconhecido....
O gelo ia subindo com a Besta Negra tacteando, tacteando em busca dos pontos fracos para tirar a vida....
A minha mente corria lesta como o vento enquanto o bater afrouxava a cada passo.... via o teu rosto sorrindo-me no alvor do despertar dos sentimentos e a minha gaguez tentando balbuciar a palavra mágica que tanto te queria dizer e que não saía....Não foi preciso, pois os lábios abraçaram-se em cataratas de rios de desejo e então soubemos que o amor era aquilo, aquele mel que embriagava  lúcido, aquele fogo que gelava tudo à nossa volta, mas ardia sereno nos corações....
Engraçado!
Espantado senti que a Besta parara....que o gelo que me invadira se derretia...e o coração voltara para mim batendo cada vez mais depressa....
Abri os olhos esperando ver o tão almejado túnel.... não havia a tal luz....nada....
Da janela lateral o sol entrara sem licença e aguardava no chão batendo e cegando-me com a luminosidade da vida.
Na áurea luz vislumbrei num parco segundo, o véu acenando na brisa quente e suave que me trespassou.....
TU!








Levantei-me do sofá ainda sem perceber bem o que me acontecera.
Agora sabia que quase partira e que TU vieras para me salvar com o grito que cortara as trevas que me engoliam pedaço a pedaço e rechaçara a Besta Negra....e me acordara.



Fechei os olhos por instantes....montei o meu cavalo pintalgado... empunhei de novo como lança a minha voz e chamei~te na lágrima que rolou...e caiu para onde?....E parti de novo na minha demanda até quando?
- Pensei.



Jorge d'Alte