domingo, 29 de julho de 2012

RENASCER


O comboio partia do cais onde ficara a sombra que se despedira. Já não correria mais, já não seria companheira, não seguiria os passos, já não cresceria na frente como passo no futuro. Vestiu-se de saudade, enfeitou-se com mil e uma lágrimas derramadas e esperou que o tempo a levasse para um qualquer canto da memória envolta no aroma das flores que jaziam caídas.

A alma despedira-se da sombra, arrancada pela raiz de um só golpe. A brisa negra viera sem som envolvera-a no seu manto formando um túnel escuro que a levou até à luz...

Quantas eternidades tinham passado? O corpo abraçara a alma quinze anos atrás e um turbilhão de mudanças constantes, de sentimentos que caíam como gotas e cresciam formando esse mar sem fim. Os desejos vieram depois com línguas de luxuria e rosas espinhosas da paixão que tomara conta.

A sombra erguera-se do pó do tempo e caminhara lado a lado com a alma, ajudando-a a cada passo na compreensão das coisas, na revelação de cada bocadinho que nela se aninhava e agora caminhava na sua frente dando cada passo no futuro transportando o corpo.

No caminho partilhado as sombras corriam lado a lado, as mãos deram-se dias antes e as almas brilhavam na cor da felicidade.


- Até quando?


Jorge d'alte




quinta-feira, 19 de julho de 2012


Tinham-me dado asas e disseram-me voa no sonho!


O penhasco tinha alto e fundo e eu era o vértice...à minha frente estendia-se o sonho sem horizonte à vista, mas era belo e singelo em tons indefinidos, mas agradavéis. Pulei na liberdade dessa aragem que nos puxa, que nos leva, que nos entontece e os tons foram clareando em cada rodopio que girei, como ave de rapina procurando bem lá do alto, o alimento que nos mitiga...veio o rosto dourado nuns olhos azuis e em cornucópias de cabelos acastanhados e encaracolados. Emaranhei-me neles sorvendo esse cheiro magico de pétalas de rosas vermelhas. Senti-me siando no vórtice aberto e fui sustido pelo encarnado desses lábios húmidos de paixão, que me contaram uma nova história, um novo guião para o meu rumo...e o sonho viveu e cresceu nos passos sussurrados, nas mãos que se uniam e não largavam.
Que sonho era aquele que no proscénio se abria como um leque multifacetado de sentimentos, muitos? Perguntei à estrela que voava ao meu lado, agora num céu aberto de breu, pintalgado de eternas luzinhas douradas. É o nosso amor, o sonho maior que a alma almeja, o sabor desejado que não se vende nos hipermercados nem nos shoppings, mas que se constrói nas pequenas coisas que guardamos no nosso âmago e que por elas lutamos, vivemos e sofremos.


jorge d'alte

sexta-feira, 13 de julho de 2012


Os olhos brilhavam miudinhos na morna tarde caída ensombrando os montes e os vales que como bailarinos rodeavam a paisagem. Por ali numa esplanada acolhedora sob a verdura de uma ramada ornada de pingentes cachos o Eu remoía palavras que faziam sentido só quando os vapores da Cola com Rum começavam a fazer efeito. O choro de piegas caía segundo disseram, no coração chamando-lhe" âmago ". Que soubesse nunca tinha conhecido esse tal "âmago "mas que diferença fazia se ele estava vazio de todo. Evaporara-se nas agruras da vida ali para os lados da solidão que teimava em fazer companhia. As mãos secas e ásperas rodavam o copo meio cheio fazendo tilintar o gelo. As entranhas estavam assim como o gelo tilintando quando algo vinha à tona da mente trazendo alguma recordação mais quente...mas tudo não passava disso - recordações!


Os olhos embaciados ondulavam nas memórias indo como de ilha em ilha descobridores de mundos perdidos nos escolhos do tempo e a dor fustigava fundo tentando arrancar da escuridão a raiz desse vendaval que de repente assolava trazendo de uma só vez a realidade das coisas, a realidade de uma vida cheia que se viu privada da clarividência refugiando-se por detrás da demência alheada


jorge d'alte

terça-feira, 10 de julho de 2012


A coberto da noite dois corações batiam numa conversa sem palavras. Tinham esperado pela lua para iniciarem o ritual da união mas esta não aparecera e em sua vez vieram as nuvens fofas que surfavam na aragem repleta de maresia. Cada uma diferente com rostos deslavados, cinzentos ou desfigurados no negrume. De vez enquando os pontinhos brilhantes traziam pontas de luz e as mentes brincaram com elas tentando descobrir qual seria a sua estrela, aquela que lhes traria a sorte, o rumo, a felicidade.
O bater sobressaltou-se quando os olhares se colaram e o desejo espreitou por cima da paixão que os invadia.
Na areia morna e seca os corpos uniram-se beijando-se e os corações bateram mais apressados. Algo surgira das profundezas do abismo da emoção, como cavalo louco desenfreado e trazia á ponta da língua desvairada as palavras ternas como borboletas voando ao calha, talvez em demasia. As mãos moveram-se primeiro na timidez, depois no sentir da pele, logo saltando para a descoberta e os pontos lascivicos. Os corações apertaram-se no abraço seguido como elo inquebrável. Os corpos moveram-se com as estrelas e na sua rotação lançavam no ar os gemidos corrosivos da união e os corações foram um e voaram para lá da fantasia onde tudo é mudança, uma brisa que cresce e se revolve como tempestade e na bonança sorriram batendo descompassadamente mitigada que fora a fome de quem ama.


Jorge d'alte