segunda-feira, 26 de julho de 2021

DESALENTO

 Hoje é um dia fechado

sem luz e nevoento
sem alento
quebrado
um buraco negro.
No teu tom integro
Dizes-me para sonhar
fechar os olhos sedentos
encontrar memórias e eventos
ninar
onde apenas há lagrimas.
Em esgrimas
montes de saudades
com montes de ternura
mas nada perdura
nem nas saudades
perdi-as algures na alma
Perdi-as na noite calma
Hoje é um dia fechado
sem luz e nevoento
sem alento
quebrado
um buraco negro.

Jorge d'Alte

sábado, 24 de julho de 2021

VAZIO


Todo este vazio que trago em mim
já foi um vazio cheio de mim.
De pequenas coisas fiz o meu caminho até a ti
flores murchadas em mãos juvenis entreguei a ti
encontramos nosso beijo na escura árvore sem lua
escrevemos palavras juntas na pedra encantada e nua
Foi amo-te o nosso primeiro segredo
Foi esse sentimento o nosso primeiro medo.
Não foi na praia, nem no vento
nem no sabor do sentimento.
que encontramos o nosso laço de amor.
Foi quando os corações bateram por demais esse ardor
foi quando os olhos se fecharam e era tudo sonho
Mas veio o que mais temíamos um pesadelo medonho
Olho agora o meu lado, um vazio cheio de mim.
Todo este vazio que trago em mim.


Jorge d'Alte



quarta-feira, 7 de julho de 2021

NÃO SEI

 Não sei o que sentir
Olhei o escuro céu 
sem lua
sem a vergastada do luar.
Senti-me nu na imensidão
No meio do turbilhão das galáxias,
caos das estrelas,
das pedras silenciosas
predadores de vidas 
rolando.
Senti o perfume da alvorada
algures semeando coros 
do amanhecer.
Senti mãos que me afagavam
em fogo.
Senti beijos, senti seios
Senti-te a ti.
Agora já sei o que sentir.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 14 de junho de 2021

AS ASAS

 Sentado na tristeza

Olhava a chávena de café branca
Ainda com laivos efémeros de vapor
Seus bordos castanhos lembravam cabelos pingando
Ela era como ela divertida e colorida
Quem a olhasse de frente via
A asa direita desprendida da vida
Com uma dedada de pó
Desleixada, acabrunhada pelos anos de vida
Peguei nela desafiante e rodeia 
Como um pião na minha mão
OH my God exclamei
Vista detrás a sua asa esquerda 
De curvas elegantes  como que segurasse a cinta
Ela era a diversão a rebeldia, mas também a vida
Olhos estranhos os meus
Sempre nos sonhos perdidos
O copo beijou os meus lábios
Frio e altivo cheio de prazer
Esbocei um sorriso corrosivo
Já de pé segurei a sua asa e voei.


Jorge d'Alte

quinta-feira, 10 de junho de 2021

PREMATURO

 

 

A Lua mordida brilhava no seu quarto

Era a testemunha!

Num recanto recôndito entre a flor e a folha

Sombras suavam deslavadas na alvura

Estavam agitadas na noite sem brisa

Como searas endoidecidas na ventania

Costas encrustadas na areia que picava insensível

Beijavam como beija-flores mamando

O néctar devia ser bom

Pois as palavras caídas eram doces, efervescidas

Rolaram agarradas soltando-se entre gemidos.

A nuvem cremosa acorreu esbaforida

Tapou os olhos da Lua, sua perdida

Também ela era testemunha.

Vai ser agora, murmuravam quietas árvores, arbustos

Até a flor que no alvor se abria.

O sol veio lampeiro na ajuda aquecendo.

Na areia junto á rocha e ao monte

A mãe aconchegava o prematuro.

 

 

Jorge d’Alte

sábado, 5 de junho de 2021

VAMPIRA

  Sou filha de uma Lua Nova

Gosto de noites bem escuras

por entre as sombras bravias

o meu ciclo sempre se renova

Teço lá as minhas aventuras

procuro o sangue pelas vias

mordo com toda a doçura

Sugo voraz este mel da vida

traindo a humanidade sem dó

depois fico ali quieta e saciada

sentindo em mim esta loucura

sentindo-me como alma perdida

na demanda vã desta caçada

Se não mordo torno-me em pó

alma morta no tempo esquecida

Assim viajo no tempo milenar

amando aquele que vou matar

Sentimentos fortes  nunca sentira

nesta alma danada e só de vampira




Jorge d'Alte



quinta-feira, 3 de junho de 2021

INDEFESO

Não havia rostos sem lágrimas
Lágrimas pequenas secas ou molhadas.
Angústia, medo, raiva, perdição, revolta havia
Na frase de súplica de uma jovem criança.
"Mãe dá-me uma faca para espetar no coração"
Era o mais pequeno da turma, uma vitima
E o bullying desgarrado, atormentante e fétido
Caía  desmedido no indefeso.


Jorge d'Alte

domingo, 30 de maio de 2021

JUNTO À RIBEIRA

 Lá, junto à ribeira

Com a água a tresloucar

Vi teu rosto à minha beira

Teus lábios a aproximar.

Junta teus lábios aos meus

Junta à minha a tua alma

Que não seja um mero adeus

Sabores e cheiros teus que me acalma.


Jorge d'Alte

sábado, 29 de maio de 2021

A HORA

 A barca negra espera
no cais da morte.
A alma singela em passinhos curtos.
- Não entro!
- Quero o metro porque enjoo.
Enfiam-lhe asas – voa!
O corvo negro saltita não de contentamento.
Aflito!
- Só voo na TAP!
No rés-do-chão a sombra negra abre a porta
do elevador. (nervoso)
Olhos procuram ver…
- Ainda não fez a revisão! Não entro, não!
- Posso morrer!
Negra sombra ainda mais negra, (desesperada)
caminha desgastada degrau a degrau.
….A luzinha alva brilha lá muito em cima.
- Falta muito para lá chegar?
Abre a bolsinha, tira o big mac
procura a bebida para empurrar…
…Santa paciência! O negro desdita.
Ergue para cima as covas do olhar
pega no telemóvel suplicante: - Meu Deus!
- Posso deixá-la ficar?


Jorge d'Alte

sábado, 22 de maio de 2021

DEIXA

 Pétala e caule

Harpa e corda

Partes de um todo

Tu e eu!

 

Não fales assim

Que me seduzes…

Deixa que isto cresça

Como a flor,

Deixa que a nossa canção

Flutue no nosso ar,

Deixa que a vida teça

Com fios duradoiros

O mapa da nossa vida,

Até que o todo

Una, a tua vontade e a minha.

 

Jorge d’Alte   2018

 

quinta-feira, 20 de maio de 2021

SONHO PALESTINO

 O sonho de ontem fora azul

Azul da cor dos nossos olhos
Ansiosos e famintos da doçura do amor.
Mas hoje dividíamos beijos e sorrisos
Entre linhos singelos bordados
Com pétalas rubras do desejo.
A boca pasmara
Quando acordara no inferno
Pedaços de fogo cruzavam os ares
Seu rugido bramia por entre os gritos
Os sonhos sangravam na desventura
As preces acordaram os céus
O concílio  conciliava cinzento
Agarrando as nossas almas como carraças.
O sangue gorgolejava sem sentido
E fora sem sentido que a morte nos buscara.


Jorge d'Alte 

segunda-feira, 17 de maio de 2021

CHEGADA DA MORTE

Os prantos caíram no proscênio

mesmo antes do suspiro fatal
A doença agarrara o corpo, definhando-a
mirrou-a e moldou-a como gênio
já na primavera depois do natal
Não houveram prendas de desejos alegrando-a
Nem de chilreios de andorinhas, nem flores abrindo
apenas a dor da saudade carpindo.


Jorge d'Alte

sexta-feira, 14 de maio de 2021

LIBERTEM AS CRIANÇAS

 Libertem as crianças!

Deixai-as  ser terra, verdura, areia ou pedra que perdura.
Deixem-nas ser poema, poeta e rima,
deixai-as na ternura da contemplação,
olhos gastos nas luzes claras de néon.
Deixai-as erguer o seu castelo nos altos dos sonhos,
num mundo adverso, mediático e cru.
Deixem-nas ser água de birrentas lágrimas, dolorosas,
beijos, ecos da alma no desassossego e na paixão.
Deixem-nas crescer por aí, como árvores altaneiras,
na pureza simples dos dias que correm, sem pressas.


Jorge d'Alte

quinta-feira, 13 de maio de 2021

A COR

   De olhos parados 

Em campos de medo
             A criança chorava 
Em braços agarrados.
             Nesse dia bem cedo
Logo ao portão a sua cor cava
             Era chacota apegada
Pelas vozes cretinas de alguns.
              Sua sacola espalhava livros na arcada
Seu rosto pintava-se em cortes  esfolados 
              Só um enfrentou esses alguns
Sua voz irada foi gesto de ternura
              Uma a uma as lágrimas afagou
As vozes imbecis calaram-se pelos lados
              Esse gesto de candura
A dor, a cor, calou.

Jorge d'Alte

segunda-feira, 10 de maio de 2021

QUEM SE LEMBRA DELA

 Nas secas palhas

espalhadas pelo chão
dormia a mendiga, o seu filho e o cão.
Quem se lembra dela, a pobre que pedia
na esquina torta, de mão estendida.
Pedia esmola para o seu filho
para lhe dar o sonho, no agora perdido.
A fome dela era o saciar do menino,
as prendas dele, eram feitas de mimo.
Quem se lembra dela? Já no fim da vida
numa casa de teto,
sorrindo esperanças.
Quem se lembra dela a velha mendiga,
na esquina torta de mão estendida, 
deixando a sua esmola.


Jorge d'Alte

sábado, 8 de maio de 2021

BULLING

 Naquela noite

como mensageiros da desgraça
apareceram os lobos.
As fauces sorriram
as palavras morderam
e o sangue espichou.
Pelo menos assim pareceu,
pois traziam peles de cordeiro,
e no chão entre espuma de ódio
e ventos de fúria,
o corpo rolava ao sabor do pontapé.
A garra filou-se no cabelo que puxou
arrastando esse despojo
pelas amarguras do chão,
com unhas arranhadas, desfeitas no desespero.
Quem apanhava não gemia,
quem gemia olhava
e a voz incentivava escondida pela câmara.
A alcateia espreitava!
Os despojos estavam prontos para o repasto
e o facebook foi o prato em que foi servido.

(É tempo dos comentários e tantos eram
que caiam em cataratas de imbecilidade.
O pessoal adorou e vieram os doutos satisfeitos -
“Isto mostra que há diálogo entre os jovens” – obsceno!
Outro –“ podemos estar ou não perante um crime”
Desenrolaram o tal filme onde a lei estava,
mas a justiça?
Essa perdera-se no meio de tantas vírgulas e pontos.
O travessão foi o último para sublinhar – não há!)

Exclamem todos agora – Oh!


Jorge d'Alte

quinta-feira, 6 de maio de 2021

MEMÓRIAS

 Que gozos são esses

no tempo de então
que traziam  amor
em cordelinhos desatados, sedas
e o teu corpo nu.
Com ele me quero
a ele me dou
na cama de pétalas,
espargidas.
Olhos violetas 
me beijam os lábios
com asas de mãos 
na cintura cingida
Pobre criatura, no eu empolgado
em falas maduras, abafadas,
em cabelos de trigo 
tapando mamilos,
núbios.
Que gozos foram esses
no tempo de então
de saias curtinhas
com golas de anil
em contornos servis
onde embebeci
o corpo, a alma e o olhar.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 3 de maio de 2021

SONHOS

  Hoje foi dia de sonhos

Sonhei como nunca sonhara

Deitei fora esses dias tristonhos

E desenhei com o meu sorriso a tua cara.

Fui levado a esses céus de lua cheia

Na ponta da minha estrela da sorte

E encontrei-te presa nessa teia

Onde a tristeza bulia como vento norte.

Escutei o som das tuas lágrimas caindo

Como cordas pungentes tocando

Peguei com carinho na tua alma sorrindo

E nela soletrei amor em lume brando

Depois as nuvens vieram e levaram-me

Num esvoaçar em desejo farto.

Encontrei-te nesses lábios que beijaram-me

Doces fadigas que contigo reparto

As peles suadas como orvalho da alvorada

Gretavam nesse sentir de garras afiadas

pronunciando  na carne devorada

que o amor e a paixão podem ser sonhadas.




Jorge d'Alte


sábado, 1 de maio de 2021

LÍRIO

 Havia um lírio alvo no monte

Pregado na penedia
Brilhava na luz do dia
Chorava orvalho na madrugada fria.
Como chegara ali não sabia
Mas já fora mais pequeno do que era
Voara nos ventos  de Ódin
Sementinha criança traquina
Por sua vontade agarrara-se á pedra quente
Ferrou as raízes na terra fria dando-lhe seiva pura
Cresceu límpida espontou flor de alvura
Regozijou-se com a abelha que zunia sorvendo
Poléns que eram da sua vida.
Algures nas serras dentadas outra flor se abria
Sentiu uma abelha esvoaçar no seu zunido
Beijando-a no meio dia.
Sentiu-se desflorada por entre raios de sol
Sentiu-se mimada na lua cheia
Ao seu lado despontou um pequeno lírio Azul.


Jorge d'Alte

quarta-feira, 28 de abril de 2021

EU AMEI UNS OLHOS VERDES

 Nesse dia

Sob uma lua singela
Eu amei teus olhos verdes
Eu amei esses olhos verdes
Como a água ama as pedras.
Não cheirei a tua maresia
Não fui nessa onda desgarrada
Nem nos tropeções da vaga que quebra
Antes afaguei-a com doçura
Afaguei-a no meu regaço
Como as abelhas afagam as flores.
Sorvi os seus lábios de mel
Sentindo abelhas comichando na barriga.
Nessa noite de crepúsculo desenhado
Escrevemos as palavras dentro de uma cerca
Guardámo-las na alma com um sorriso
Depois voamos na brisa dos tempos
Como folhas arrancadas e levadas
Porque amei uns olhos verdes
Porque amei teus olhos verdes
Porque te amei como ninguém.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 26 de abril de 2021

EMIGRANTES

 Eram tempos de antanho

Sem futuro e descalços pés

Onde a fome era do camanho
E crianças comiam papas com vinho rés.
Adormeciam no frio embalados na pobreza
Partiam por trilhos fugindo da lei
Na escuridão da noite depois da reza
Pedindo a Deus proteção pela sua grei.
Labutam messas cidades de pecados
Por dez reis mel coado
Matam a fome em parcos bocados
Reza para ser perdoado.
Depois juntam esses trapinhos
E voltam passados uns anos
A sua vida de espinhos
Muda como água caindo dos canos
Deixando no saquito o cêntimo.
Um a um enche a galinha o papo
Mas a saudade vence o seu intimo
E chegam orgulhosos no seu, "boca de sapo".


Jorge d'Alte

sábado, 24 de abril de 2021

AMIZADE

A amizade tem coisas engraçadas que nos podem marcar para sempre...

É aquele sentimento que era gelo antes de o ser, e que se vai derretendo lentamente trespassando os tecidos e encharcando-nos quando menos esperamos. 
E depois não há volta a dar.
Estamos completamente presos nesse liquido que não se evapora e faz correr todos os nossos sentimentos até à ponta do nosso sorriso.
E este é a nossa dádiva sem esperar troco porque soube escutar, compreender e ajudar.
Foi gesto que emergiu do nada sem se ver para se transformar.
Foi como uma flor que de repente desabrocha e com as suas cores garridas nos cativa
Estiveres onde estiveres o amigo espera-te de braços abertos.


Jorge d'Alte

sexta-feira, 23 de abril de 2021

ALÉM

 


Até nem estava mal..
A chuva que caíra brilhava em gotas de sol resplandecente

Prismando cores diversas como pequenos múltiplos arco íris.
A árvore acenou barulhenta e resmungona com o açoite do vento
Até ali  alheado da sua natureza..
Só o mar continuava a sua canção de embalar
Enviando ondas e ondas como feromonas de acasalamento
Tentando encantar o meu animo e excitá-lo
Arrancando-o da contemplação intima de mórbida auto comiseração.
Chorava no presente o passado
Desatando mais uma vez os nós apertados que o mantinha ali
Como sempre autentico e doloroso com a sua imagem como faca
Retalhando-me por dentro expondo toda a minha vulnerabilidade
Atiçando-me dores cruciantes..
Anos e anos de cenas semelhantes de um filme
Visto e revisto, vívido e anestesiante esperando que o milagre acontecesse
Por uma vontade morta e ossificada.
A onda de luz surgiu de repente inimaginável brilhante como nunca ,,,

( Etérea luz de brilho caminhante era eu mergulhado no de lá
Sem som nem volume nem traços na poeira do caminho. 
A Luz era breu como breu fora a luz do espaço
Adornado de dourados pontos nomeados pelos sábios do antigamente. 
Viajava sem pagar- O passaporte fora-me dado sem saber).


Jorge d'Alte


quarta-feira, 21 de abril de 2021

DEPOIS DA DESPEDIDA

 


Sinto tanto frio! 
Sofro tanto neste vazio que sinto cá dentro
No entanto compreendo o meu destino
Pois vivi um amor como ninguém e tê-lo-ei de volta no fim dos dias,
No começo da eternidade
Embora sonhos ruins me consumam na noite
Quando te desenho nas sombras e tu vives nos meus olhos num sonho acordado. 
Há muito que vaguei-o pela noite solitário
Onde tudo é escuro, pelo menos deste lado
E tu, amor onde estás agora? 
Por mais que olhe e te procure no nosso céu
Não te vejo e não te ouço, mas sinto-te
Embrulhada na saudade que me acomete
Cada vez mais espaçadamente.
Será isto o que me contaste no teu fim? 
Que o tempo te levaria na bruma
E que quando ela desaparecesse outro rosto estaria ali à minha espera
Para me dar nesta vida a felicidade truncada que não me pudeste dar? 
Sinto tanto frio e a alma morre na míngua sem a tua seiva para me animar
Abre-me a tua janela amor! 
Deixa cair o teu sorriso sobre mim como raios dourados de amor;
Faz com que os meus olhos cansados e secos chorem a nossa alegria de novo
Ou então deixa-me entrar por ela para te poder abraçar para sempre…




Jorge d'Alte


segunda-feira, 19 de abril de 2021

PECADO ORIGINAL

 



O Pai!

Filho vês os olhos como eu vejo?
Criei um Éden cheio de maravilhas e Criei Ela para lá viver.
Não comas a maçã que te é oferecida em luxuria pois a luz alternará com as sombras e estas trarão maldições e o fim da eternidade.

O corpo corria lesto atirando a sua sombra em todas as direções. 

As mãos tentavam agarrar o tempo que fugia como areia fina escorregando cheia de grãos de emoções. A boca aberta arfava o cansaço que saia em lufadas de ar morno e húmido. 
Até ali nunca houvera Tempo. 
O dia começara numa qualquer madrugada..

A caverna sempre escura era iluminada pelo fogo dos deuses que nascia da pedra da terra aquecendo-a e iluminando-a.
Em volta o fumo azulado assobiava quando tocava na brisa e chispava aborrecidas faúlhas que voavam e cobriam aquele chão de negro.
Figuras sentadas escutavam as falas nos deuses e o feiticeiro ditava a sua lei.
Ele o mais novo de tenros anos doze fora o escolhido.
Ela de onze seria a sua deusa quando casassem.
Fora escrito nas estrelas e quando estas, no céu de breu se juntassem, casariam.


Quantos anos tinham decorrido desde então? 
Ele puxava pela memoria mas esta não respondia. 
Como podia  se o seu corpo estava enfeitiçado embrulhado nos fumos e drogas de sonho e o brilho das suas pupilas dilatava-se como faróis. 
Sabia que tinha de ser sem o saber.
A seus pés Ela estava deitada arfante e desejosa em cima da folhagem verde e fresca que servia de leito. O som que soltou sobressaltou-o, sentindo de imediato aquele arrepio pela espinha acima entesando-o e o desejo sorriu quando retirou a tanga que lhe envolvia as partes escondidas. 
Ela suava feromonas que atraiam ferozmente os sentidos dele.
Caiu sobre ela envolvendo-a no abraço sorvendo na saliva o mel. 
Era abelha pousando nos lábios da flor. 
Suas pétalas como braços apertaram-no no amplexo e agora voavam para lá das estrelas  pairando, lá naquele céu onde os anjos voam.
O som da musica ritmava o seu ardor cada vez mais rápido cada vez mais desejado e os seios dela cresceram duros de mamilos e a pele derretia-se numa cama de suor ardente e gélido.
Agora cavalgava numa longa pradaria tendo como fito a montanha que crescia nos seus olhos e dentro dele. 
Sentiu as garras dela como falcão caçando no seu dourado. 
Sentiu o sangue correr nas veias como alimento sentiu-o também brotar dos longos rasgos no seu dorso.
Voou com Ela siando no ar quente. 
Rodopiou em acrobáticas voltas e subia a montanha de novo numa cavalgada sem fim como garanhão implacável. 
No alto atingiu o céu desfazendo esse leque de estrelas como pedra que atinge o charco num xaile ondulado, num momento a dois que era dela e seu.
Fechou os olhos arrastado no gemido sem fim que lançou  agarrado e foram como sinos tocando badaladas de desejo.
O lago de suor era a sua cama onde nadava nos beijos. 
Seus   lábios eram poesias sempre belas nas palavras.
O sol rasgava a madrugada cantando a boa nova dele e dela mas na caverna parca iluminada os sonhos navegavam à deriva no sono.
Eram deuses no Olimpo  e a Terra era deles.

O corpo corria atirando a sua sombra em todas as direções. 
As mãos tentavam agarrar o tempo que fugia como areia fina escorregando cheia de grãos de emoções. A boca aberta arfava o cansaço que saia em lufadas de ar morno e húmido. 
O dia começara numa qualquer madrugada, mas era das sombras da noite que caia que ele tinha medo por isso fugia.
O Pai decretara a lei. 
Nunca mais haveria eternidade de vida no Éden, pois o pecado acontecera e para a alcançar haveria nascer, vida, morte.


Jorge d'Alte

domingo, 18 de abril de 2021

UM AMOR EXTRAORDINÁRIO

 


Um amor extraordinário

Tinham dito por ali

De olhares tristes cabisbaixos

Enquanto o dia se esconsava

Num mar de papoilas

Recordavam-se as pessoas 

Nesse ópio avermelhado.

 

Fora num dia parecido

Logo de madrugada 

Quando o som do galo ainda ecoava na geada

O culpado tinha sido o pico

Sim o pico

Pois quando passava, o melro de bico amarelo esvoaçara

Assustando-a 

E ela picara-se na roseira branca de bordos róseos

Mesmo na dor as vozes saudaram-se enervadas.

Ficava sempre assim quando a via passar, gaiata

feliz.

Seus olhos risonhos sempre o cativaram

Ele um cachopo que quisera ser livre

ter a liberdade de sonhar.

Beijara o dedo dela no sítio da picada

Mas foi quando os sorrisos se encontraram 

Que tudo descambara 

Num mundo para eles desconhecido e vibrante

Os lábios tinham-se comungado e a liberdade voara.

 

 

 

Alguns ainda se lembravam

Pois as idades eram as mesmas deles

Correndo pelas ruas cheias de sombras

De sacolas ás costas trazendo atrás deles as risadas

e as saudades de meninos e moços.

A vida fora cheia para eles

Agora amortalhados a meio dos noventa.

 

As vozes tinham gritado furiosas

Riscando nos fungares a sua desdita.

Fora a vontade de Deus

Diziam uns.

Foi o maldito bicho vociferaram outros

Juntos na vida, juntos na morte.

 

Coitados já andavam adoentados murmurou o António da Micas

Toda uma vida plena de Amor ajuntou o Serafim da pipa.

Aconchegaram-se no seu cantinho e definharam

foi o que foi.

Foi com um abraço que se despediram aflautou a Ritinha.

Um amor extraordinário, garantira o padre embargado

no alto do púlpito

Um amor extraordinário.

 

 

Jorge 

quinta-feira, 15 de abril de 2021

GRITO DE DOR - crianças da guerra -

 No meio da selva intranquila

Um grito de dor pungente.

Tapam-se os ouvidos nos olhos de medo

Dores afiadas que se tornam no sangue

E os trilhos são rios sussurrantes

Cheios de trapos de ódio e raiva.

A neve branca e calma cai em gotas, lenta

Passos perdidos que assinalam uma vida.

Em seu canto, uma brincadeira infantil

O brinquedo é uma arma - tudo bem

É tudo o que eles sabem fazer

Tudo o que eles precisam para jogar

E seu dia é a noite.

Suas almas vazias

Não há alegria nem amor

Quando as armas cantam - é rock and roll de dor

E eles dançam entre tiros

Caindo na terra olhando o céu

Então Deus acorda apavorado

Envia os seus anjos - perguntar o porquê.

As canções dos pássaros

São baladas que não conhecem

Um mar turbulento.

Dentro cresce

Ondas de cegueira

Que vem e vai

Como poderiam ouvir

Em sentimentos de tempestade

Esta é a luta cheia de saudações

E as ruas são rios sussurrantes

Cheio de trapos de ódio e raiva

Crescem à medida que as árvores crescem.

Seus braços são cachos

Sem folhas nem flores

E sempre serão crianças

Mas o seu sorriso são armadilhas

Onde a caça cai

E as ruas são estreitas

Onde as sombras se tornam demônios

Corvos de almas

Gangue de tolos.

 

 

Jorge d'Alte

 

REENCONTRO

 Hoje contemplei-a sem ela se aperceber

Fui colhendo fragmentos soltos do seu sorriso quebrado
Num mar nervoso cheio de gotas de emoções.
Um manto monótono de solidão alarmava-a
Fechando-a em comiseração deslavando aos poucos o rosto de trigo.
De negro vestida respirava soturna aquela alma exangue
Estendeu a mão enluvada tocando naquela face que fora sempre sua
Onde os lábios comiam as palavras e as línguas intransigentes se amavam
Um soluço morreu abafado nos seus lábios descorados
Quando olhara para mim o seu maior amigo
Dei um passo sem cor nem ardor no som pesado acordando os rostos virados
Abracei-a com braços de amizade sem saber o que lhe dizer.
Não foram precisas palavras nem o velho beijo terno
Enquanto a terra reclamava o corpo em sons de pazadas.
Estávamos mais uma vez juntos como quando eramos crianças
Quando as mãos corriam atrás dela numa corrida cheia de gargalhadas
Quando colhia flores lindas que tombavam quando lhas oferecia
Quando a escola crescera e nós com ela e havia sonhos contados na lua cheia.
Sempre houvera um certo amor entre nós
Num dia estranho de fim de Maio eu partira sem lhe dizer nada
Os anos tinham-nos carcomido envelhecendo-nos
Mas o amor, a grande amizade era fresca como o lírio alvo que lhe dava.


Jorge d'Alte



quarta-feira, 14 de abril de 2021

A CANÇÃO DO BUSIO

 Escuto a canção do buzio

O seu chamar sem pranto dorido

O tempo ali guardado e perdido
O rolar preguiçoso sem laivos de cio
Das ondas mortas sem destino.
A voz perdi-a no norte
Congelada, crua, sem tino
Talvez prenúncios da velha morte.
Sim!
O olhar sabia por fim
Que o altar da vida era uma simples canção
Entoada na madrugada e definhando na tarde sem cor
Nela cantei versos de amor, sofrimento e dor
Nela construi o meu mundo risonho em forma de pão.


Jorge d'Alte

E VIVO

Vou em busca do vento para lhe tocar no olhar
Sem toques de afagar que posso eu fazer?
Corro nos pastos como cão em busca das palavras
Tenho-as cá dentro mas não as sei pronunciar
Colho as flores abertas como aberto é o sorriso dela
Colorido e atraente com os seus dentes alvos
Sorriso que me quis quando mais dele precisei
Sorriso que me enfeitiça, castiga e engana
Pois não era mais do que uma miragem num espelho de água
Corro prantos na noite deslavada
Sem sombras dela nem murmúrios no luar
Amo-a como minha, mesmo quando a vejo no colo dele
Porque não me consigo desligar?
Porque me vergo assim?
E de memória em memória me enraízo
Parte de mim crucia-me
Parte de mim secou
E quando a vejo passar de cabelo ao vento
Ai meu olhar de lágrimas vãs, e desperdiçadas
Estugo meus passos na sombra dela 
Sinto as fragrâncias evoladas na brisa 
Inspiro e vivo.

Jorge d'alte