domingo, 30 de maio de 2021

JUNTO À RIBEIRA

 Lá, junto à ribeira

Com a água a tresloucar

Vi teu rosto à minha beira

Teus lábios a aproximar.

Junta teus lábios aos meus

Junta à minha a tua alma

Que não seja um mero adeus

Sabores e cheiros teus que me acalma.


Jorge d'Alte

sábado, 29 de maio de 2021

A HORA

 A barca negra espera
no cais da morte.
A alma singela em passinhos curtos.
- Não entro!
- Quero o metro porque enjoo.
Enfiam-lhe asas – voa!
O corvo negro saltita não de contentamento.
Aflito!
- Só voo na TAP!
No rés-do-chão a sombra negra abre a porta
do elevador. (nervoso)
Olhos procuram ver…
- Ainda não fez a revisão! Não entro, não!
- Posso morrer!
Negra sombra ainda mais negra, (desesperada)
caminha desgastada degrau a degrau.
….A luzinha alva brilha lá muito em cima.
- Falta muito para lá chegar?
Abre a bolsinha, tira o big mac
procura a bebida para empurrar…
…Santa paciência! O negro desdita.
Ergue para cima as covas do olhar
pega no telemóvel suplicante: - Meu Deus!
- Posso deixá-la ficar?


Jorge d'Alte

sábado, 22 de maio de 2021

DEIXA

 Pétala e caule

Harpa e corda

Partes de um todo

Tu e eu!

 

Não fales assim

Que me seduzes…

Deixa que isto cresça

Como a flor,

Deixa que a nossa canção

Flutue no nosso ar,

Deixa que a vida teça

Com fios duradoiros

O mapa da nossa vida,

Até que o todo

Una, a tua vontade e a minha.

 

Jorge d’Alte   2018

 

quinta-feira, 20 de maio de 2021

SONHO PALESTINO

 O sonho de ontem fora azul

Azul da cor dos nossos olhos
Ansiosos e famintos da doçura do amor.
Mas hoje dividíamos beijos e sorrisos
Entre linhos singelos bordados
Com pétalas rubras do desejo.
A boca pasmara
Quando acordara no inferno
Pedaços de fogo cruzavam os ares
Seu rugido bramia por entre os gritos
Os sonhos sangravam na desventura
As preces acordaram os céus
O concílio  conciliava cinzento
Agarrando as nossas almas como carraças.
O sangue gorgolejava sem sentido
E fora sem sentido que a morte nos buscara.


Jorge d'Alte 

segunda-feira, 17 de maio de 2021

CHEGADA DA MORTE

Os prantos caíram no proscênio

mesmo antes do suspiro fatal
A doença agarrara o corpo, definhando-a
mirrou-a e moldou-a como gênio
já na primavera depois do natal
Não houveram prendas de desejos alegrando-a
Nem de chilreios de andorinhas, nem flores abrindo
apenas a dor da saudade carpindo.


Jorge d'Alte

sexta-feira, 14 de maio de 2021

LIBERTEM AS CRIANÇAS

 Libertem as crianças!

Deixai-as  ser terra, verdura, areia ou pedra que perdura.
Deixem-nas ser poema, poeta e rima,
deixai-as na ternura da contemplação,
olhos gastos nas luzes claras de néon.
Deixai-as erguer o seu castelo nos altos dos sonhos,
num mundo adverso, mediático e cru.
Deixem-nas ser água de birrentas lágrimas, dolorosas,
beijos, ecos da alma no desassossego e na paixão.
Deixem-nas crescer por aí, como árvores altaneiras,
na pureza simples dos dias que correm, sem pressas.


Jorge d'Alte

quinta-feira, 13 de maio de 2021

A COR

   De olhos parados 

Em campos de medo
             A criança chorava 
Em braços agarrados.
             Nesse dia bem cedo
Logo ao portão a sua cor cava
             Era chacota apegada
Pelas vozes cretinas de alguns.
              Sua sacola espalhava livros na arcada
Seu rosto pintava-se em cortes  esfolados 
              Só um enfrentou esses alguns
Sua voz irada foi gesto de ternura
              Uma a uma as lágrimas afagou
As vozes imbecis calaram-se pelos lados
              Esse gesto de candura
A dor, a cor, calou.

Jorge d'Alte

segunda-feira, 10 de maio de 2021

QUEM SE LEMBRA DELA

 Nas secas palhas

espalhadas pelo chão
dormia a mendiga, o seu filho e o cão.
Quem se lembra dela, a pobre que pedia
na esquina torta, de mão estendida.
Pedia esmola para o seu filho
para lhe dar o sonho, no agora perdido.
A fome dela era o saciar do menino,
as prendas dele, eram feitas de mimo.
Quem se lembra dela? Já no fim da vida
numa casa de teto,
sorrindo esperanças.
Quem se lembra dela a velha mendiga,
na esquina torta de mão estendida, 
deixando a sua esmola.


Jorge d'Alte

sábado, 8 de maio de 2021

BULLING

 Naquela noite

como mensageiros da desgraça
apareceram os lobos.
As fauces sorriram
as palavras morderam
e o sangue espichou.
Pelo menos assim pareceu,
pois traziam peles de cordeiro,
e no chão entre espuma de ódio
e ventos de fúria,
o corpo rolava ao sabor do pontapé.
A garra filou-se no cabelo que puxou
arrastando esse despojo
pelas amarguras do chão,
com unhas arranhadas, desfeitas no desespero.
Quem apanhava não gemia,
quem gemia olhava
e a voz incentivava escondida pela câmara.
A alcateia espreitava!
Os despojos estavam prontos para o repasto
e o facebook foi o prato em que foi servido.

(É tempo dos comentários e tantos eram
que caiam em cataratas de imbecilidade.
O pessoal adorou e vieram os doutos satisfeitos -
“Isto mostra que há diálogo entre os jovens” – obsceno!
Outro –“ podemos estar ou não perante um crime”
Desenrolaram o tal filme onde a lei estava,
mas a justiça?
Essa perdera-se no meio de tantas vírgulas e pontos.
O travessão foi o último para sublinhar – não há!)

Exclamem todos agora – Oh!


Jorge d'Alte

quinta-feira, 6 de maio de 2021

MEMÓRIAS

 Que gozos são esses

no tempo de então
que traziam  amor
em cordelinhos desatados, sedas
e o teu corpo nu.
Com ele me quero
a ele me dou
na cama de pétalas,
espargidas.
Olhos violetas 
me beijam os lábios
com asas de mãos 
na cintura cingida
Pobre criatura, no eu empolgado
em falas maduras, abafadas,
em cabelos de trigo 
tapando mamilos,
núbios.
Que gozos foram esses
no tempo de então
de saias curtinhas
com golas de anil
em contornos servis
onde embebeci
o corpo, a alma e o olhar.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 3 de maio de 2021

SONHOS

  Hoje foi dia de sonhos

Sonhei como nunca sonhara

Deitei fora esses dias tristonhos

E desenhei com o meu sorriso a tua cara.

Fui levado a esses céus de lua cheia

Na ponta da minha estrela da sorte

E encontrei-te presa nessa teia

Onde a tristeza bulia como vento norte.

Escutei o som das tuas lágrimas caindo

Como cordas pungentes tocando

Peguei com carinho na tua alma sorrindo

E nela soletrei amor em lume brando

Depois as nuvens vieram e levaram-me

Num esvoaçar em desejo farto.

Encontrei-te nesses lábios que beijaram-me

Doces fadigas que contigo reparto

As peles suadas como orvalho da alvorada

Gretavam nesse sentir de garras afiadas

pronunciando  na carne devorada

que o amor e a paixão podem ser sonhadas.




Jorge d'Alte


sábado, 1 de maio de 2021

LÍRIO

 Havia um lírio alvo no monte

Pregado na penedia
Brilhava na luz do dia
Chorava orvalho na madrugada fria.
Como chegara ali não sabia
Mas já fora mais pequeno do que era
Voara nos ventos  de Ódin
Sementinha criança traquina
Por sua vontade agarrara-se á pedra quente
Ferrou as raízes na terra fria dando-lhe seiva pura
Cresceu límpida espontou flor de alvura
Regozijou-se com a abelha que zunia sorvendo
Poléns que eram da sua vida.
Algures nas serras dentadas outra flor se abria
Sentiu uma abelha esvoaçar no seu zunido
Beijando-a no meio dia.
Sentiu-se desflorada por entre raios de sol
Sentiu-se mimada na lua cheia
Ao seu lado despontou um pequeno lírio Azul.


Jorge d'Alte