sábado, 22 de março de 2014









Quando os anjos desceram embrulhados na sua alva áurea eu vi-te brilhando no meio das estrelas.
Era o nosso céu com a lua branca e negra, com as suas fases diferentes como o humor e o amor que nos uniu.
Rodearam-me com seus cânticos, tentando encantarem-me numa outra melodia.
Mas meus olhos só te escutavam, como meus ouvidos te viam nas palavras que me murmuravas ao ouvido.
Encheste-me a alma de saudade, daquela saudade que me rói mesmo quando te sorrio.
Tu fostes a luz que me deu um outro universo, que me trilhou um caminho nesses anos jovens de loucura amena e macia.Tu fostes a palavra doce, como o abraço forte e seguro que me livrou de abismos. Tu fostes vida em mim quando voamos para lá do tudo em asas de amor suado e dorido mas ao mesmo tempo farto de prazer e desejo.
Mas um dia partistes .....
Como roguei pragas ao nosso céu....
Disseram-me que fora Deus que te chamara, que pronunciara teu nome como sentença sem querer saber que me matara também nestes anos que não vivo....
Como amaldiçoei esse poder Divino.....
Vivi no inferno mesmo vivo, assando em cada dia que passei sem ti, tostando minha alma nas faúlhas da esperança de que Ele me juntasse a ti.
Não parti, nem fiquei, não morri como não vivi. Sou como cometa errante num céu oco de ti, traçando na vida meus passos que sei me levarão até ti.....brilho quando sorrio nas lembranças passadas, quando junto ao rio me abraçavas e teu rosto lindo e jovem me beijava.
Agora fecho meus olhos .... o sono trás sempre o sonho e nele te revejo e te guardo,te beijo e te amo, enquanto as rugas crescem e as forças se vão amainando até ao dia a esperado em que num ultimo suspiro te abraçarei de novo num desejo desenfreado.


Jorge d' Alte

sábado, 1 de março de 2014






O grosso vento rajava os céus levando as nuvens plúmbeas a correr à sua frente como velhas tontas ao Deus dará, inchadas e prenhes descarregando bexigas em grossas bátegas



A traineira pachorrenta de tons azuis partira ufana rasgando  as ondas uma uma, olhando o farol  do alto promontório o guia da borrasca.
Mas o dia estava ameno de sol caído entrando na vastidão do mar que se alongava  mesmo para lá do horizonte.
Manuel , velho mestre e seus companheiros de pescaria tinham erguido como sempre os olhos ao céu vermelho e rezado preces a Deus, à Senhora da Boa Viagem e tantos santos e santinhos, para que a ida tivesse volta.
Na areia da praia dourada Maria de xaile embrulhada e olhos rasos de mornas lágrimas juntava sua voz às outras em velhas preces decoradas.
Era mais uma faina  mais um dia de vida
As redes como teias tinham sido lançadas na água salgada e os cardumes se fizeram sentir na rede enrolada. O mar borbulhava quando milhares de sardinhas saltavam aflitas tentando se escapulir daquela armadilha. Os pescadores cantarolavam canções alegres pois não era todos os dias que a faina dava para alimentar todas as famílias.
Mestre Manuel lançara seu olhar sábio preocupado lá bem para norte.A sua dor voltara como sempre para o avisar da desgraça  e ela vinha aí desenfreada e pronta para acolhe-los.
A primeira vaga chegou ainda antes do grito do vento içando-os e oferecendo-os aos deuses ou aos demónios pois o céu estava mesmo ali.. Manuel não teve essa pressuposição. pois sentiu-se mergulhando
     vendo a espuma alva  muito acima da barca enquanto a onda se afogava no embrulhar das águas furiosas e rodopiantes e foi com estrépito baque que o fundo da vaga recebeu o seu barco enquanto a espuma varria-o de lés a lés despojando-os de artefactos e sardinhas pré preparadas e salgadas para a venda. Juntaram-se todos os cinco molhados e tremendo de frio e de aflição na parca cabine enquanto o motor arrancava seu rugido tentando agarrar-se desesperado à onda que subia subia enquanto as vozes arrancavam gritos desesperados evocando suas famílias e deuses. Pareceu longa a subida da onda de mais de 10 metros. Um infindável momento em que os corações pararam de bater no sufocar da respiração e a crista borbulhante apareceu de repente no meio das nuvens atirando de novo a barca aos abismos entre ondas.
Quantas subiram, quantas desceram, quanta água engoliram pois agora a cabine chapeada  já não tinha vidros nem portas nem amarras,
João de perna partida gemia num dos cantos a cada agitadela da traineira que roufenha roncava ainda, Tomás, Gabriel e Pedro tinham cortes e diversas feridas  mas agarravam a vida com preces e unhas e Manuel para além das pragas vociferadas agarrava o leme e só pedia a Deus que o motor não encharcasse de tanta água entrada. Se isso acontecesse era a morte anunciada e o seu túmulo seria para sempre a imensidão deste mar que tanto amava mas com quem não queria casar.
Raios caiam como tordos fumegando as ondas enquanto a pequena embarcação seguia o seu destino sem rota marcada. Apenas se mantinham  ao sabor dos ventos e das correntes nesse carrossel de sobe e desce.
Manuel estava exausto agarrado ao leme com a imagem da sua doce filha de 3 anos aninhada no seu colo sorrindo gaiata pedindo uma história. Agoira era seu filho de 15 anos que reclamava a sua atenção para as suas habilidades com a bola; queria ser um Ronaldo pois claro!
O seu olhar foi desviado pois Maria chamava por ele; Podia ouvir os seus gritos correndo com o vento em lufadas de animo e esperança, e for então que viu luz ao longe  bruxuleante na escuridão,
O farol! Vira a luz e só podia ser do farol e rumou para ali,
Seus companheiros desanimados, sujos e molhados estavam prostrados no chão agarrados e rezando.
Manuel sentiu o barco a adornar para a direita fruto talvez da água engolida ou da carga que ainda mantinham no velho porão. Redobrou as suas preces  mas não desanimou.Já tinham estado piores e tempestade parecia estar a amainar.

A luz do farol era agora forte e viva, como vivos eram os cinco corações que batiam apressados e ansiosos.
Passaram a barra com os primeiros alvores da manhã com o barco adornado e semi desfeito mas o velho motor aguentara e fora a sua tábua de salvação.
Ao longe na praia dourada figuras moviam-se gesticulando e acenando.
Manuel soltou uma ultima prece aos céus secundado por todos.





O grosso vento rajava os céus levando as nuvens plúmbeas a correr à sua frente como velhas tontas ao Deus dará, inchadas e prenhes descarregando bexigas em grossas bátegas, mas todos tinham chegado bem e em breve se aqueceriam nos abraços e braços amados.



jorge d'Alte