quarta-feira, 28 de abril de 2021

EU AMEI UNS OLHOS VERDES

 Nesse dia

Sob uma lua singela
Eu amei teus olhos verdes
Eu amei esses olhos verdes
Como a água ama as pedras.
Não cheirei a tua maresia
Não fui nessa onda desgarrada
Nem nos tropeções da vaga que quebra
Antes afaguei-a com doçura
Afaguei-a no meu regaço
Como as abelhas afagam as flores.
Sorvi os seus lábios de mel
Sentindo abelhas comichando na barriga.
Nessa noite de crepúsculo desenhado
Escrevemos as palavras dentro de uma cerca
Guardámo-las na alma com um sorriso
Depois voamos na brisa dos tempos
Como folhas arrancadas e levadas
Porque amei uns olhos verdes
Porque amei teus olhos verdes
Porque te amei como ninguém.


Jorge d'Alte

segunda-feira, 26 de abril de 2021

EMIGRANTES

 Eram tempos de antanho

Sem futuro e descalços pés

Onde a fome era do camanho
E crianças comiam papas com vinho rés.
Adormeciam no frio embalados na pobreza
Partiam por trilhos fugindo da lei
Na escuridão da noite depois da reza
Pedindo a Deus proteção pela sua grei.
Labutam messas cidades de pecados
Por dez reis mel coado
Matam a fome em parcos bocados
Reza para ser perdoado.
Depois juntam esses trapinhos
E voltam passados uns anos
A sua vida de espinhos
Muda como água caindo dos canos
Deixando no saquito o cêntimo.
Um a um enche a galinha o papo
Mas a saudade vence o seu intimo
E chegam orgulhosos no seu, "boca de sapo".


Jorge d'Alte

sábado, 24 de abril de 2021

AMIZADE

A amizade tem coisas engraçadas que nos podem marcar para sempre...

É aquele sentimento que era gelo antes de o ser, e que se vai derretendo lentamente trespassando os tecidos e encharcando-nos quando menos esperamos. 
E depois não há volta a dar.
Estamos completamente presos nesse liquido que não se evapora e faz correr todos os nossos sentimentos até à ponta do nosso sorriso.
E este é a nossa dádiva sem esperar troco porque soube escutar, compreender e ajudar.
Foi gesto que emergiu do nada sem se ver para se transformar.
Foi como uma flor que de repente desabrocha e com as suas cores garridas nos cativa
Estiveres onde estiveres o amigo espera-te de braços abertos.


Jorge d'Alte

sexta-feira, 23 de abril de 2021

ALÉM

 


Até nem estava mal..
A chuva que caíra brilhava em gotas de sol resplandecente

Prismando cores diversas como pequenos múltiplos arco íris.
A árvore acenou barulhenta e resmungona com o açoite do vento
Até ali  alheado da sua natureza..
Só o mar continuava a sua canção de embalar
Enviando ondas e ondas como feromonas de acasalamento
Tentando encantar o meu animo e excitá-lo
Arrancando-o da contemplação intima de mórbida auto comiseração.
Chorava no presente o passado
Desatando mais uma vez os nós apertados que o mantinha ali
Como sempre autentico e doloroso com a sua imagem como faca
Retalhando-me por dentro expondo toda a minha vulnerabilidade
Atiçando-me dores cruciantes..
Anos e anos de cenas semelhantes de um filme
Visto e revisto, vívido e anestesiante esperando que o milagre acontecesse
Por uma vontade morta e ossificada.
A onda de luz surgiu de repente inimaginável brilhante como nunca ,,,

( Etérea luz de brilho caminhante era eu mergulhado no de lá
Sem som nem volume nem traços na poeira do caminho. 
A Luz era breu como breu fora a luz do espaço
Adornado de dourados pontos nomeados pelos sábios do antigamente. 
Viajava sem pagar- O passaporte fora-me dado sem saber).


Jorge d'Alte


quarta-feira, 21 de abril de 2021

DEPOIS DA DESPEDIDA

 


Sinto tanto frio! 
Sofro tanto neste vazio que sinto cá dentro
No entanto compreendo o meu destino
Pois vivi um amor como ninguém e tê-lo-ei de volta no fim dos dias,
No começo da eternidade
Embora sonhos ruins me consumam na noite
Quando te desenho nas sombras e tu vives nos meus olhos num sonho acordado. 
Há muito que vaguei-o pela noite solitário
Onde tudo é escuro, pelo menos deste lado
E tu, amor onde estás agora? 
Por mais que olhe e te procure no nosso céu
Não te vejo e não te ouço, mas sinto-te
Embrulhada na saudade que me acomete
Cada vez mais espaçadamente.
Será isto o que me contaste no teu fim? 
Que o tempo te levaria na bruma
E que quando ela desaparecesse outro rosto estaria ali à minha espera
Para me dar nesta vida a felicidade truncada que não me pudeste dar? 
Sinto tanto frio e a alma morre na míngua sem a tua seiva para me animar
Abre-me a tua janela amor! 
Deixa cair o teu sorriso sobre mim como raios dourados de amor;
Faz com que os meus olhos cansados e secos chorem a nossa alegria de novo
Ou então deixa-me entrar por ela para te poder abraçar para sempre…




Jorge d'Alte


segunda-feira, 19 de abril de 2021

PECADO ORIGINAL

 



O Pai!

Filho vês os olhos como eu vejo?
Criei um Éden cheio de maravilhas e Criei Ela para lá viver.
Não comas a maçã que te é oferecida em luxuria pois a luz alternará com as sombras e estas trarão maldições e o fim da eternidade.

O corpo corria lesto atirando a sua sombra em todas as direções. 

As mãos tentavam agarrar o tempo que fugia como areia fina escorregando cheia de grãos de emoções. A boca aberta arfava o cansaço que saia em lufadas de ar morno e húmido. 
Até ali nunca houvera Tempo. 
O dia começara numa qualquer madrugada..

A caverna sempre escura era iluminada pelo fogo dos deuses que nascia da pedra da terra aquecendo-a e iluminando-a.
Em volta o fumo azulado assobiava quando tocava na brisa e chispava aborrecidas faúlhas que voavam e cobriam aquele chão de negro.
Figuras sentadas escutavam as falas nos deuses e o feiticeiro ditava a sua lei.
Ele o mais novo de tenros anos doze fora o escolhido.
Ela de onze seria a sua deusa quando casassem.
Fora escrito nas estrelas e quando estas, no céu de breu se juntassem, casariam.


Quantos anos tinham decorrido desde então? 
Ele puxava pela memoria mas esta não respondia. 
Como podia  se o seu corpo estava enfeitiçado embrulhado nos fumos e drogas de sonho e o brilho das suas pupilas dilatava-se como faróis. 
Sabia que tinha de ser sem o saber.
A seus pés Ela estava deitada arfante e desejosa em cima da folhagem verde e fresca que servia de leito. O som que soltou sobressaltou-o, sentindo de imediato aquele arrepio pela espinha acima entesando-o e o desejo sorriu quando retirou a tanga que lhe envolvia as partes escondidas. 
Ela suava feromonas que atraiam ferozmente os sentidos dele.
Caiu sobre ela envolvendo-a no abraço sorvendo na saliva o mel. 
Era abelha pousando nos lábios da flor. 
Suas pétalas como braços apertaram-no no amplexo e agora voavam para lá das estrelas  pairando, lá naquele céu onde os anjos voam.
O som da musica ritmava o seu ardor cada vez mais rápido cada vez mais desejado e os seios dela cresceram duros de mamilos e a pele derretia-se numa cama de suor ardente e gélido.
Agora cavalgava numa longa pradaria tendo como fito a montanha que crescia nos seus olhos e dentro dele. 
Sentiu as garras dela como falcão caçando no seu dourado. 
Sentiu o sangue correr nas veias como alimento sentiu-o também brotar dos longos rasgos no seu dorso.
Voou com Ela siando no ar quente. 
Rodopiou em acrobáticas voltas e subia a montanha de novo numa cavalgada sem fim como garanhão implacável. 
No alto atingiu o céu desfazendo esse leque de estrelas como pedra que atinge o charco num xaile ondulado, num momento a dois que era dela e seu.
Fechou os olhos arrastado no gemido sem fim que lançou  agarrado e foram como sinos tocando badaladas de desejo.
O lago de suor era a sua cama onde nadava nos beijos. 
Seus   lábios eram poesias sempre belas nas palavras.
O sol rasgava a madrugada cantando a boa nova dele e dela mas na caverna parca iluminada os sonhos navegavam à deriva no sono.
Eram deuses no Olimpo  e a Terra era deles.

O corpo corria atirando a sua sombra em todas as direções. 
As mãos tentavam agarrar o tempo que fugia como areia fina escorregando cheia de grãos de emoções. A boca aberta arfava o cansaço que saia em lufadas de ar morno e húmido. 
O dia começara numa qualquer madrugada, mas era das sombras da noite que caia que ele tinha medo por isso fugia.
O Pai decretara a lei. 
Nunca mais haveria eternidade de vida no Éden, pois o pecado acontecera e para a alcançar haveria nascer, vida, morte.


Jorge d'Alte

domingo, 18 de abril de 2021

UM AMOR EXTRAORDINÁRIO

 


Um amor extraordinário

Tinham dito por ali

De olhares tristes cabisbaixos

Enquanto o dia se esconsava

Num mar de papoilas

Recordavam-se as pessoas 

Nesse ópio avermelhado.

 

Fora num dia parecido

Logo de madrugada 

Quando o som do galo ainda ecoava na geada

O culpado tinha sido o pico

Sim o pico

Pois quando passava, o melro de bico amarelo esvoaçara

Assustando-a 

E ela picara-se na roseira branca de bordos róseos

Mesmo na dor as vozes saudaram-se enervadas.

Ficava sempre assim quando a via passar, gaiata

feliz.

Seus olhos risonhos sempre o cativaram

Ele um cachopo que quisera ser livre

ter a liberdade de sonhar.

Beijara o dedo dela no sítio da picada

Mas foi quando os sorrisos se encontraram 

Que tudo descambara 

Num mundo para eles desconhecido e vibrante

Os lábios tinham-se comungado e a liberdade voara.

 

 

 

Alguns ainda se lembravam

Pois as idades eram as mesmas deles

Correndo pelas ruas cheias de sombras

De sacolas ás costas trazendo atrás deles as risadas

e as saudades de meninos e moços.

A vida fora cheia para eles

Agora amortalhados a meio dos noventa.

 

As vozes tinham gritado furiosas

Riscando nos fungares a sua desdita.

Fora a vontade de Deus

Diziam uns.

Foi o maldito bicho vociferaram outros

Juntos na vida, juntos na morte.

 

Coitados já andavam adoentados murmurou o António da Micas

Toda uma vida plena de Amor ajuntou o Serafim da pipa.

Aconchegaram-se no seu cantinho e definharam

foi o que foi.

Foi com um abraço que se despediram aflautou a Ritinha.

Um amor extraordinário, garantira o padre embargado

no alto do púlpito

Um amor extraordinário.

 

 

Jorge 

quinta-feira, 15 de abril de 2021

GRITO DE DOR - crianças da guerra -

 No meio da selva intranquila

Um grito de dor pungente.

Tapam-se os ouvidos nos olhos de medo

Dores afiadas que se tornam no sangue

E os trilhos são rios sussurrantes

Cheios de trapos de ódio e raiva.

A neve branca e calma cai em gotas, lenta

Passos perdidos que assinalam uma vida.

Em seu canto, uma brincadeira infantil

O brinquedo é uma arma - tudo bem

É tudo o que eles sabem fazer

Tudo o que eles precisam para jogar

E seu dia é a noite.

Suas almas vazias

Não há alegria nem amor

Quando as armas cantam - é rock and roll de dor

E eles dançam entre tiros

Caindo na terra olhando o céu

Então Deus acorda apavorado

Envia os seus anjos - perguntar o porquê.

As canções dos pássaros

São baladas que não conhecem

Um mar turbulento.

Dentro cresce

Ondas de cegueira

Que vem e vai

Como poderiam ouvir

Em sentimentos de tempestade

Esta é a luta cheia de saudações

E as ruas são rios sussurrantes

Cheio de trapos de ódio e raiva

Crescem à medida que as árvores crescem.

Seus braços são cachos

Sem folhas nem flores

E sempre serão crianças

Mas o seu sorriso são armadilhas

Onde a caça cai

E as ruas são estreitas

Onde as sombras se tornam demônios

Corvos de almas

Gangue de tolos.

 

 

Jorge d'Alte

 

REENCONTRO

 Hoje contemplei-a sem ela se aperceber

Fui colhendo fragmentos soltos do seu sorriso quebrado
Num mar nervoso cheio de gotas de emoções.
Um manto monótono de solidão alarmava-a
Fechando-a em comiseração deslavando aos poucos o rosto de trigo.
De negro vestida respirava soturna aquela alma exangue
Estendeu a mão enluvada tocando naquela face que fora sempre sua
Onde os lábios comiam as palavras e as línguas intransigentes se amavam
Um soluço morreu abafado nos seus lábios descorados
Quando olhara para mim o seu maior amigo
Dei um passo sem cor nem ardor no som pesado acordando os rostos virados
Abracei-a com braços de amizade sem saber o que lhe dizer.
Não foram precisas palavras nem o velho beijo terno
Enquanto a terra reclamava o corpo em sons de pazadas.
Estávamos mais uma vez juntos como quando eramos crianças
Quando as mãos corriam atrás dela numa corrida cheia de gargalhadas
Quando colhia flores lindas que tombavam quando lhas oferecia
Quando a escola crescera e nós com ela e havia sonhos contados na lua cheia.
Sempre houvera um certo amor entre nós
Num dia estranho de fim de Maio eu partira sem lhe dizer nada
Os anos tinham-nos carcomido envelhecendo-nos
Mas o amor, a grande amizade era fresca como o lírio alvo que lhe dava.


Jorge d'Alte



quarta-feira, 14 de abril de 2021

A CANÇÃO DO BUSIO

 Escuto a canção do buzio

O seu chamar sem pranto dorido

O tempo ali guardado e perdido
O rolar preguiçoso sem laivos de cio
Das ondas mortas sem destino.
A voz perdi-a no norte
Congelada, crua, sem tino
Talvez prenúncios da velha morte.
Sim!
O olhar sabia por fim
Que o altar da vida era uma simples canção
Entoada na madrugada e definhando na tarde sem cor
Nela cantei versos de amor, sofrimento e dor
Nela construi o meu mundo risonho em forma de pão.


Jorge d'Alte

E VIVO

Vou em busca do vento para lhe tocar no olhar
Sem toques de afagar que posso eu fazer?
Corro nos pastos como cão em busca das palavras
Tenho-as cá dentro mas não as sei pronunciar
Colho as flores abertas como aberto é o sorriso dela
Colorido e atraente com os seus dentes alvos
Sorriso que me quis quando mais dele precisei
Sorriso que me enfeitiça, castiga e engana
Pois não era mais do que uma miragem num espelho de água
Corro prantos na noite deslavada
Sem sombras dela nem murmúrios no luar
Amo-a como minha, mesmo quando a vejo no colo dele
Porque não me consigo desligar?
Porque me vergo assim?
E de memória em memória me enraízo
Parte de mim crucia-me
Parte de mim secou
E quando a vejo passar de cabelo ao vento
Ai meu olhar de lágrimas vãs, e desperdiçadas
Estugo meus passos na sombra dela 
Sinto as fragrâncias evoladas na brisa 
Inspiro e vivo.

Jorge d'alte